Dezembro é a época favorita do ano de muita gente. E, verdade seja dita, a minha também. Nunca fui entusiasta de outras datas comemorativas; por mim, o Carnaval não existiria no calendário e eu até que trocaria o Dia das Crianças pelo Halloween. Mas o Natal é sempre um período tão bom, tão sensorial e nostálgico, que eu simplesmente não consigo ficar triste nessa época. Mesmo que muita coisa esteja fora do lugar, há uma faísca dentro de mim que me impede de perder a cabeça por qualquer motivo.
No começo do mês, os mesmos filme sem graça começam a passar na TV, e enquanto me abano para fazer o calor passar, me contento com a silenciosa torcida para que, um dia, eu tenha a oportunidade de passar o Natal fora do país e ver mais luzes piscando do que nunca. Refletindo na neve branquinha, quem sabe. As árvores cheias de bolas douradas, vermelhas e quebradiças, enfeites antigos, de família, contrastando com os que foram comprados ontem, por impulso… as tirinhas verdes cintilantes que se espalham pelo chão, rodopiando quando alguém passa pela sala. Nossas árvores não têm cheiro de pinho. Mas eu não preciso disso, não para sentir que o Natal chegou.
Uma vez, li que esse tal “cheiro de Natal” é, na verdade, causado por uma planta chamada Cica. O que acontece é que, no verão, ela libera um aroma bem característico, que algumas pessoas definem como verde e que possui um suposto cheiro de poeira. Aqui, nos jardins da praia de Santos, elas estão aos montes, pequenas palmeiras espalhadas por toda a orla. Um dia desses, também ouvi pela primeira vez o canto da cigarra. Não é um canto bonito como o do tordo ou bem-te-vi. Ele não me faz fechar os olhos para ouvir com mais atenção, focando apenas um sentido nele. Mas o canto da cigarra é tão pontual que eu não consegui me segurar e abri um sorrisinho, lá pelas dez horas de uma noite abafada. O verão está quase chegando. E o Natal também.
É engraçado como o cheiro de alguma coisa pode trazer lembranças há muito esquecidas em apenas um segundo. Lembro que, quando aprendi o que significava essa mistura de sentidos, fui uma das poucas pessoas da classe que ficou impressionada com aquilo. Ou isso eu simplesmente não fui boa em disfarçar o que se passava na minha cabeça; não seria a primeira vez. Eu queria há tanto tempo saber por que eu sempre achava que o Trident de embalagem cinza tinha o gosto igual ao cheiro do Salompas… e quando eu dizia isso para minha mãe, aqui em casa, ela revirava os olhos, muito sutilmente, para evitar dizer que eu sou maluca. E então, na aula de gramática da oitava série, uma simples palavra definiu tudo: sinestesia.
Existem perfumes capazes de injetar nostalgia diretamente nas minhas veias. A vez em que viajei para a casa de uma amiga pela primeira vez e ela usou um perfume adocicado, com cheiro de chocolate. O perfume amadeiradoque meu namorado passou nas primeiras vezes em que saímos juntos. O modo como as roupas dele cheiram sempre ao mesmo amaciante. O desinfetante nos corredores que me fazem lembrar dos primeiros meses na universidade. O cheiro de guardado do meu casaco preferido. O aroma inebriante que fica preso entre as páginas de um livro novo. O cheiro dos doces que eu sempre como em demasia. O antigo cheiro de comida e fritura da cozinha do meu avô, que eu nunca mais senti.
Para mim, dezembro é um dos melhores meses do ano por causa disso. Muitas das memórias mais marcantes da minha vida aconteceram no verão. Acho que é por isso que muitas histórias, sejam elas da ficção ou não, se passam nessa época. Tanta coisa acontece entre um pôr-do-sol e outro. Mas é reconfortante ver que numa época de mudanças, algumas coisas – como o canto da cigarra, o cheiro de Natal e a ansiedade para embrulhar e desembrulhar presentes – permanecem as mesmas.
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